SADOMASOQUISMO E DESENCANTO

Salò d’hier et d’aujourd’hui (Salò de ontem e de hoje, França, 2002, 33’, cor e p&b), de Amaury Voslion, é um documentário de curta-metragem sobre a realização de Salò o le 120 giornate di Sodoma (Salò, ou os 120 dias de Sodoma, 1975), trazendo cenas reveladoras dos métodos de filmagem de Pasolini; depoimentos do cineasta e de seus colaboradores, incluindo alguns dos atores, que refletem sobre a diferença daquilo que eles viviam no set do filme, cuja  rodagem transcorria de modo relaxado e até divertido, e a aparência final, terrível, assombrosa, quase insuportável, que Salò ganhou nas telas, após a edição.

Mas se os atores não percebiam as nuvens negras avizinharem-se antes da tempestade, Pasolini já intuíra a presença delas. Para o diretor, as filmagens podiam até ser divertidas, mas não deixavam de ser tensas. Ele havia sido ameaçado de morte.  A polícia teve de cercar o set para garantir sua segurança. E ainda assim gangues fascistas conseguiram roubar algumas latas da película já rodada, com partes importantes do filme. Terminada a edição, o filme foi proibido em todo o mundo. E antes que pudesse acompanhar a carreira de Salò, Pasolini foi assassinado.

A morte do escritor e cineasta foi provavelmente o resultado de uma emboscada.  Ele teria sido atraído pelo jovem delinquente e prostituto Pino Pelosi. Ladrãozinho violento, emocionalmente desequilibrado, ele teria servido de isca para um crime político, cometido pelos mesmos mafiosos fascistas que roubaram as latas de Salò e que deviam estar a seguir os passos do cineasta, conhecendo seus hábitos noturnos e o tipo físico dos rapazes que ele apreciava, sendo Ninetto Davoli o ideal do jovem popular que atraía Pasolini como o odor das flores atrai a abelha.

Pelosi lembrava Ninetto, e era, como ele, um rapaz da vida, malandrinho, de cabelos morenos, encaracolados. Nas cenas finais de Salò d’hier et d’aujourd’hui, reencontramos Ninetto,  maduro e quase irreconhecível, sem a graça angélica que ostentava quando estrelava os filmes de Pasolini. Sentimos então uma tristeza típica de toda a obra pasoliniana, pois nem Ninetto, o grande amor do cineasta, escapou aos efeitos da corrupção que os jovens sofrem sob o consumismo, aburguesando-se ou tornando-se criminosos – o tema principal de Salò, como Ninetto o percebeu, expressando-se com dificuldade.

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