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O RAPAZ MOTOR

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Il ragazzo motore (O rapaz motor, Itália, 1967, 12’, p&b, doc). Direção: Paola Faloja. Roteiro: Paola Faloja, a partir de uma história contada por Pier Paolo Pasolini. Trilha: Alberico Vitalini. Fotografia: Giancarlo Lari. Edição: Mario Masini. Produção: Paola Faloja, Aldo Raparelli / Corona Cinematografica. Com Pier Paolo Pasolini (narração).

O filme parte de “uma história acontecida a Pier Paolo Pasolini, contada por ele mesmo”. Enquanto uma estranha engrenagem se move lentamente ao som de uma música de filme de ficção científica, a voz de Pasolini conta que, passeando por uma estrada que não sabe mais qual nem a que distância de Roma – o que ele considera significativo – encontrou um jovem que lhe pediu carona.

Pasolini parou o carro. O caronista era um rapaz com seus dezoito anos, de cujo rosto Pasolini não se recorda, e que se pôs a falar de coisas sobre as quais ele também não se recorda, enquanto se dirigiam a uma meta comum, também já esquecida – esses seus lapsos, Pasolini observa, são igualmente significativos.

As não-lembranças têm uma razão de ser. E ele não se recorda nem do rosto do rapaz, nem de suas palavras – pronunciadas com uma expressão ausente -, nem de sua voz, nem mesmo de sua presença física.

Para romper um silêncio embaraçoso, Pasolini diz que começou a fazer algumas perguntas ao jovem: sobre os seus gostos, sobre o que gostaria de fazer na vida, se estudava, se não estudava. Ele disse que não, que nada lhe interessava.

“Você não se interessa pelos estudos que está fazendo?”. “Não.”. “Não se interessa pelos esportes?”. “Não.” “Interessa-se ao menos por alguma garota?”. “Não.” “Mas… afinal, o que o interessa?”. Depois de um momento o rapaz respondeu: “Os motores.”. O Teremim da música de filme de ficção científica volta a soar.

Agora o filme deixa o cenário da estranha engrenagem, seguindo como um documentário sobre os jovens italianos obcecados por motocicletas, lambretas, oficinas mecânicas, competições de veículos e motores envenenados.

Diante de um bar do bairro os amigos encontram-se para jogar fliperama e fazer corridas clandestinas com suas máquinas. Eles próprios modificaram os motores. O vitorioso ganhará a bolada das apostas. Mas no final da competição, dois rapazes se chocam e caem de suas motos. Um deles bate a cabeça na calçada, agoniza e morre.

O curto documentário poético de Paola Faloja revela, com a cumplicidade de Pasolini, o universo barulhento e masculino dos apaixonados por motores, sua vida agitada, suja de graxa, desperdiçada em corridas e que frequentemente termina tragicamente, mas como uma tragédia sem sentido.

Os jovens que surgem na Itália de 1960 parecem a um intelectual humanista como Pasolini verdadeiros E.T.s (o que é sugerido pelo uso do Teremim na trilha sonora). O poeta nada pode ter em comum com o rapaz motor, pelo que recusa recordar sua existência ininteligível. Ele sofre essa presença como a revelação amarga da mutação antropológica dos jovens na sociedade de consumo.

[http://cinestore.cinetecadibologna.it/video/dettaglio/19008]

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