Monthly Archives: Janeiro 2013

PASOLINI NA AMÉRICA

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Entre 13 e 24 de setembro de 1966, Pasolini fez sua única viagem aos EUA, junto ao seu inseparável Ninetto Davoli, após acompanhar a exibição de Accattone e Uccellacci e Uccellini no Festival de Montreal, no Canadá. Nessa cidade tomou o trem para Nova York, e ao sair da estação subterrânea a metrópole americana surgiu-lhe como “Jerusalém aos olhos do Crucificado”.

Encontrou-se com Allen Ginsberg, que admirava imensamente: “Sobre Nova York existe apenas as suas poesias” (em 1967 eles se reencontrariam em Milão), foi entrevistado por Oriana Fallaci para L’Europeo, fotografado por Duilio Pallottelli na Broadway e, no último dia de sua estada, por Richard Avedon em seu estúdio.

Foram dez dias vividos intensamente em Manhattan. Passeou no Harlem, em Greenwich Village, no Brooklyn. No porto, onde foi fotografado por Duane Michels, tentou aproximar-se da América “suja, infeliz, violenta”. A Meca do capitalismo mundial apaixonou o marxista independente, que não devia satisfações ao Partido comunista nem partilhava seus dogmas.

Todas as noites, Pasolini voltava de madrugada para seu hotel, esgotado: “Queria ter dezoito anos para viver toda uma vida aqui.” Mas ele ainda parecia bem jovem aos 44 anos. Desde criança Pasolini se encantava com a América. Não sabia dizer porque, uma vez que não tinha especial apreço pela literatura americana e muito menos pelo establishment americano. E então? “O cinema, talvez. Toda a minha juventude passei fascinado pelos filmes americanos, ou seja, pela América violenta, brutal. Mas não foi esta América que encontrei: é uma América jovem, desesperada, idealista.”

Os jovens parecem-lhe incrivelmente elegantes, vestindo o que lhes dá na telha sem se preocuparem com o que os outros possam pensar deles. Eles mais se fantasiam que se se vestem. A indiferença para com os outros é a seu ver uma forma de respeito à privacidade, ao contrário do “curiosar” invasivo dos europeus, que estão sempre prontos a fiscalizar e condenar o comportamento alheio.

Pasolini sentiu-se tão à vontade em Nova York que teve a ideia de aí ambientar o filme que planejava rodar sobre São Paulo: não mudaria o roteiro, apenas o cenário. A ação que se passaria na antiga Roma seria transferida para Nova York. Sentia que o centro do Império vivia um momento revolucionário. O comunismo fracassou na Rússia, na China. O socialista europeu era um homem vazio. Já a New Left americana, com sua mística da democracia levada aos extremos, mostrava-se viva, vibrante.

Ao presenciar uma manifestação a favor da guerra do Vietnã com cartazes como “Bombardeiem Hanói” e “Matem todos aqueles vermelhos” durante a qual irromperam, na contracorrente, três jovens pacifistas tocando violão e cantando uma canção de protesto sem que houvesse qualquer insulto ou gesto de hostilidade da parte dos manifestantes, Pasolini teve uma verdadeira epifania e declarou a Oriana Fallaci:

Esta é a coisa mais linda que vi na minha vida. Essa é uma coisa que não esquecerei enquanto eu estiver vivo. Devo voltar, devo estar aqui, mesmo que não tenha mais dezoito anos. Como me desagrada partir, me sinto derrubado. Me sinto como um menino diante de um bolo pronto para ser devorado, um bolo de várias camadas, e o menino não sabe qual camada lhe agradará mais, sabe apenas que deseja, que deve comer todas elas. Uma a uma. E no momento mesmo em que ele está para abocanhar o bolo, levam-no embora.

Anos atrás, Martin Scorsese foi o padrinho e Meryl Streep a madrinha da estreia de Mamma Roma, no Film Forum de Nova York, lançado depois em cem cidades dos EUA. Até então, o filme só havia sido exibido na América em museus. Com provável exceção de Scorsese, a Streep foi uma das pessoas que mais viu o filme de Pasolini: ela se inspirou na personagem de Anna Magnani para atuar como Francesca Johnson em The Bridges of Madison County (As Pontes de Madison, 1995), de Clint Eastwood.

O amor de Pasolini à América teve correspondência em alguns críticos e cineastas americanos. Richard Schickel escreveu na Life que Il Vangelo secondo Matteo era “o melhor filme de todos os tempos”. Dennis Lim, do The New York Times, considerou a influência de Pasolini como algo de único no panorama contemporâneo:

Pasolini preparou o caminho para muitos realizadores, como Rainer Werner Fassbinder, Derek Jarman, Gus Van Sant e Abel Ferrara. O poder de suas ideias e o mistério do seu assassinato […] conquistaram a imaginação de inúmeros escritores e artistas. Sua morte também se tornou tema de obras como o docudrama Pasolini, un delitto italiano (1995), de Marco Tullio Giordana, ou a instalação Alfa Romeo GT Veloce 1975-2007, de Elisabetta Benassi, que evoca a cena do crime com uma reprodução do carro de Pasolini.

O espectro de Pasolini ronda Nova York: a galeria Location One, no SoHo, expôs uma mostra de quadros de Pasolini. O Museum of Modern Art (MoMA) e o MoMA PS1 (no Queens) apresentaram uma retrospectiva da obra de Pasolini com filmes, recitais de poesia e música, discussões e performances, sendo que cada filme da mostra foi precedido por um comentário gravado do próprio cineasta. Finalmente, a UnionDocs exibiu, no Brooklyn, documentários de produção recente sobre Pasolini.

Imagens da visita de Pasolini a Nova York em 1966. Nas imagens de rua tomadas por Duilio Pallottelli, Pasolini passa por um cinema que exibe programa duplo com Elizabeth Taylor: Cat on a Hot Tin Roof (Gata em teto de zinco quente, 1958), de Richard Brooks, e Butterfield 8 (Disque Butterfiled 8, 1960), de Daniel Mann. Na última imagem, Duane Michels retrata Pasolini nas docas de Nova York. 

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Referências bibliográficas

BERARDI, Francesca. Pierpaolo Pasolini a New York, un amore possibile. Il Sole, 21 dicembre 2012.

FALLACI, Oriana. Un marxista a New York, L’Europeo, 13 ottobre 1966.

LIM, Dennis. Pasolini’s Legacy: A Sprawl of Brutality. The New York Times, 26 dez. 2012. Disponível em: http://www.nytimes.com/2012/12/27/movies/pasolinis-legacy-a-sprawl-of-brutality.html.

PASOLINI, Pier Paolo. 7 – Supplemento del Corriere della Sera, n. 14, 7 aprile 1990.

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TRÊS MOMENTOS DE CATERINA BORATTO

Caterina Boratto em 'Campo de' fiori' (1943), de Mario Bonnard.

Caterina Boratto em ‘Campo de’ fiori’ (1943), de Mario Bonnard.

Diva do cinema italiano dos anos de 1930-1940, Caterina Boratto (1915-2010) chegou a ser convidada, em 1938, por Louis B. Meyer, a trabalhar em Hollywood. Teria participado de alguns filmes estrelados por Greta Garbo, Clark Gable, Mirna Loy e Spencer Tracy, mas provavelmente em pontas não creditadas, pois não há registros deles no IMDB. Com o início da Segunda Guerra, como ela não fazia o sucesso que esperava em Hollywood, retornou à Itália, onde tinha papéis de estrela em filmes de “telefones brancos” como Campo de’ fiori (1943), de Mario Bonnard.

O fim do conflito trouxe também o fim da carreira de Caterina Boratto como diva do cinema fascista. Contudo, conservando na idade madura sua beleza aristocrática e glacial, ela foi “redescoberta” por Federico Fellini e ganhou aparições impressionantes em (Fellini 8½, 1963) e Giulietta degli spiriti (Julieta dos espíritos, 1965). Esses filmes proporcionaram à Borato um comeback dentro do cinema italiano dos anos de 1960-1970.

Caterina Boratto em 'Giulietta degli spiriti' (Julieta dos espíritos, 1965), de Federico Fellini.

Caterina Boratto em ‘Giulietta degli spiriti’ (Julieta dos espíritos, 1965), de Federico Fellini.

Seu papel mais marcante nessa segunda fase de sua carreira foi o da velha meretriz Signora Castelli em Salò, o le 120 giornate di Sodoma (Saló, ou 120 dias de Sodoma, 1975), de Pier Paulo Pasolini. Podemos interpretar a escolha simbólica que Pasolini fez de Caterina Borato para esse papel como uma crítica feroz ao velho fascismo, carregada, ao mesmo tempo, de certo carinho pela lembrança do fascínio dos anos de ouro do cinema italiano.

O cinema fascista havia seduzido toda uma geração de jovens cinéfilos (Fellini e Pasolini entre eles), que se encantavam, em sua adolescência, com as produções da Cinecittà, o grande estúdio criado por Mussolini. Pelo mesmo motivo Pasolini deve ter escolhido Massimo Girotti para o papel do industrial milanês seduzido pelo Deus encarnado por Terence Stamp em Teorema (Teorema, 1968), lembrando-se da juventude gloriosa daquele astro em filmes fascistas como La corona di ferro (A coroa de ferro, 1941), de Alessandro Blasetti.

Que a veterana atriz, ainda bela aos 60 anos, tenha se prestado ao jogo de Pasolini, aceitando interpretar a escabrosa Signora Castelli, uma das três apresentadoras  (no sentido próprio de entertainer) dos três círculos (ou shows) de horrores (manias, merda e sangue) de Salò, é algo que conta a seu favor. Claro que ela, como os demais atores engajados, não imaginava o efeito tremendo que a edição conferiria ao filme, cujas rodagens transcorriam de modo até divertido. Caterina Borato continuou ativa no cinema até 1993, morrendo em 2010, aos 95 anos.

Caterina Boratto em 'Salò' (Saló, 1975), de Pier Paulo Pasolini.

Caterina Boratto em ‘Salò’ (Saló, 1975), de Pier Paulo Pasolini.

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